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#42 - O PRÉDIO DOS LADRILHOS AZUIS

  • Foto do escritor: viniciuscagnotto
    viniciuscagnotto
  • 24 de set.
  • 5 min de leitura

Pré-requisito opcional: #31 - A DETETIVE E O VIAJANTE


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– E aí, vamos ficar aonde?

– Mais pra lá, aqui tem o córrego – Serena ia à frente, guiando o grupo.

Despertaram mais cedo que o habitual para aproveitar ao máximo o último dia de férias da família. Enquanto um dos coolers trazia cervejas trincando, o outro se encarregava do café da manhã não tomado: uma garrafa térmica cheia e lanches de queijo e salame no pão de forma.

– Qualquer lugar, mãe. Tá pesado isso aqui.

– Calma, rapaz – disse seu cunhado, tentando acalmar o menino. Também estava sobrecarregado com cadeiras e guarda-sol. – Tá chegando.

– Aqui! Na frente desse prédio. Sempre gostei dele – sentenciou Serena, e então começaram a arrumar o espaço.

Logo atrás vinha o resto da família. Era uma viagem cheia: tios e tias, primos e primas, e a avó, a matriarca, que, apesar de estar na casa dos 80, ainda era tão ativa e praiana quanto a mais nova, que vinha sendo carregada no colo.

– A Lele vai acordar com fome – disse a sogra, altiva como sempre. – Eu sabia que lanchinhos eram boa ideia.

– Já está na hora de acordar – respondeu Serena. – O plano é gastar bastante energia pra dormir na viagem de volta.

Tudo arrumado. Alguns chutavam bola. Algumas se bronzeavam. Latas de cerveja estalavam. Lele despertava.

Não fosse o clima pesado que ainda pairava desde a discussão da noite anterior, acalorada como o tempo, poderiam dizer que havia sido a viagem perfeita.



Era mais um domingo calmo, o que significava que eu estava sem novos trabalhos… de novo. Nem sabia por que tinha ido ao escritório. Acendi outro cigarro. Argumentei comigo mesma que devia me organizar para possíveis novos casos.

“Quem eu quero enganar?”, pensei, enquanto rolava reels no Instagram, entediada. Fui interrompida por uma ligação no meio de mais um vídeo feito por IA de Moisés, com sotaque carioca, fazendo um vlog enquanto abria o Mar Vermelho.

Era Humberto.

– Laura, tá podendo falar?

– Manda, Humberto.

– Deu merda na Astúrias.

– Qual o caso?

– Me encontra na delegacia.



O sol estava a pino e Odete já parecia um camarão.

– Passa mais protetor, Odete, vai se queimar toda – Serena já sabia qual seria a resposta.

– Que nada! É o último dia. Esse bronzeado vai ter que sair – teimosa como sempre.

– Vai sair um câncer de pele, isso sim – provocou o cunhado, ríspido, enquanto pegava outra cerveja. Odete ignorou.

– Deixa ela, Pedro. Não tem jeito – virou-se para sua mais nova. – Lele, vamos passar mais protetor.

– Não! Já passô. Qué “apadinha”.

– Quando passar o moço da raspadinha eu compro, mas temos que esperar. Enquanto isso, vem passar protetor solar.

– Nãããão! – E disparou na direção do irmão mais velho e dos primos que jogavam bola.

– FELIPE! FICA DE OLHO NA LELE!

Pedro estava inquieto. Não tinha digerido bem a discussão da noite anterior. Roberto, tão incomodado quanto, não aguentava ficar mais de dois minutos sob o mesmo guarda-sol que ele. Observava as crianças jogando futebol enquanto trocava ideia com um funcionário da barraca de frutos do mar. Serena se aproximou.

– Amor, como você tá?

– Tudo bem. Tô só conversando aqui. Ele vai me preparar uma caipirinha.

– Amor, talvez não seja uma boa ideia beber muito. Vocês exageraram ontem. E hoje temos que pegar a serra. Vai devagar.

– Relaxa, amor. É só uma. É Carlos, né? Carlos, faz aquela caipirinha pra mim, meu querido. Amor, vou dar um mergulho.

– Tá bom – Serena voltou para a cadeira e abriu seu livro de suspense.

Assim que se sentou, Pedro se levantou.

– Vou dar uma refrescada.

Serena sentiu um aperto no peito. O lugar que havia escolhido, em frente ao seu prédio favorito, tinha também uma placa de “perigo” voltada para o mar, que só percebeu depois de se instalarem.

Estava ruminando a angústia daquela situação quando algo dispersou sua atenção.

– Mãããe! Mãããããe! APADINHA!

Chegava o tão aguardado carrinho da raspadinha.



Humberto nunca era misterioso com os casos. Sempre detalhava tudo pelo telefone, às vezes com uma sequência de áudios explicando tim-tim por tim-tim. Era um fofoqueiro de mão cheia. Mas… duas vezes mandei mensagem perguntando do caso enquanto estava presa no trânsito e, mesmo visualizando, me ignorou. Aquilo não era dele.

A delegacia estava agitada para um domingo à tarde.

Apressei o passo pelo corredor principal.

– Fala, Carlos! Cadê o Humberto?

– Ih, Laura, ele saiu. Foi pra Astúrias. Não te avisou?

– Não. Me atrasei no trânsito. Mas era pra nos encontrarmos aqui.

– Foi ele e mais uns três pra lá. Melhor você ir também, eles podem demorar.

– Mas qual o caso?

– Ele não contou?

– Ainda não.

– Ih, prefiro deixar pra ele.

– Fala logo, homem!

– É que… não sei muita coisa. Uma família toda de férias. Eles iam voltar hoje… e… não sei os detalhes – Carlos estava claramente desconfortável. – Vai logo, o Humberto te explica tudo.

Olhei firme para ele, tentando captar o que não queria dizer.

– Tá. Vou indo.

Tinha alguma coisa errada.



– TEM ALGUÉM SE AFOGANDO! SOCORRO! SOCORRO!

O grito da senhora do guarda-sol vizinho paralisou a praia. Em segundos, dezenas se aglomeravam na areia. Alguns, mais ousados, nadavam em direção aos braços que batiam na água, quase submersos.

Coragem, porque há pouco o vento virara de repente e as ondas se enfureceram. O mar estava traiçoeiro demais para amadores.

Serena estava aflita. Roberto e Pedro ainda não tinham voltado. Sabia que Roberto gostava de atravessar a arrebentação e boiar bem no fundo. O desespero contagiava a família.

Dona Tereza avançou em direção ao mar.

– Calma, Tereza – Serena segurou a mão da sogra. – Olha, o salva-vidas está chegando.

Ele corria, apitando, abrindo caminho entre a multidão.

– Cadê papai? – Lele, alheia, segurava um resto de gelo quase sem groselha. – Qué dá apadinha pro papai.

– Ele já volta, filha! – Serena engoliu o choro, imaginando o pior.

Todos acompanhavam o salva-vidas mergulhar contra as ondas impiedosas.

No mesmo instante, Pedro emergiu mais ao lado, ofegante.



O fim de tarde tingia o céu. A vista seria como um quadro, não fossem as viaturas e os policiais espalhados pela areia. Humberto falava ao celular. Me aproximei, acendendo outro cigarro.

– Humberto. Cheguei. O que houve?

– Laura! – parecia surpreso, quase como se não me esperasse. – Droga…

– Desembucha. O que tá pegando?

– Pra ser honesto, me arrependi de te chamar. É um caso… delicado.

Eu não entendia. Ele sempre me passava os assassinatos mais cabeludos. Estando ali, só podia imaginar afogamento.

– Como foi a morte?

– Você não entendeu. É delicado… pra VOCÊ. Por causa do seu passado. Acho melhor outro pegar o caso, Laura.

– Espera, ninguém morreu? – a ficha caiu com um estalo. – Não vai me dizer que…



– CADÊ O ROBERTO, PEDRO? CADÊ O MEU MARIDO? – Serena encarou o cunhado como uma acusação.

Ele mal respirava.

– A gente tava no fundo… conversando… tudo bem… falamos sobre ontem… aí começaram umas ondas altas… uma engoliu a gente… perdi o Roberto de vista… quase me afoguei, tentei sair pela lateral… não vi mais ele… tava muito agitado.

Serena desabou na areia, em lágrimas.

No instante seguinte, o salva-vidas surgiu arrastando um corpo inerte.

Roberto.

Serena correu.

O salva-vidas iniciou a reanimação.

Segundos depois, Roberto cuspiu a água do mar e voltou a si.

– Graças a Deus – disse Tereza, que não parara de rezar.

– Roberto! – Serena o abraçou, soluçando. – Obrigada! Muito obrigada! – disse ao salva-vidas.

A multidão se dispersou. Eles retornaram ao guarda-sol, ainda atordoados.

– Chega de mar por hoje, amor – caminhavam abraçados. Roberto ainda desnorteado. – Lele, cadê a raspadinha pro papai… Lele?

Olhou em volta.

– Gente, cadê a Lele?

Todos se sobressaltaram.

– Leleee? LELEEEE?



E foi em frente ao prédio dos ladrilhos azuis que o pesadelo de Serena começou.

Deixa Eu Pensar | #42 - O Prédio dos Ladrilhos Azuis

 
 
 

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