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#31 - A DETETIVE E O VIAJANTE

  • Foto do escritor: viniciuscagnotto
    viniciuscagnotto
  • 22 de jun.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de jun.

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Era uma manhã calma nas ruas. Em meu escritório, escutava as gotas no asfalto enquanto poucos transeuntes transitavam acelerados sobre poças turvas. Olhei o relógio. Vinte para as seis. Acendi um cigarro… outro cigarro. Foi o que me manteve acordada por tantas horas. Os cigarros e aquele maldito assassinato.

— Vou ter resolvido esse caso no momento que o funeral tiver terminado — Eu havia assegurado ao inspetor Humberto na manhã do dia anterior, ao receber toda a papelada.

Já estavam todos em suas casas há mais de doze horas.

O telefone tocou.

— E então? — Nem um “bom dia”.

— Estou quase lá, Humberto. Tem alguma peça faltando aqui.

— Foi o cunhado, Laura, todo mundo sabe. Você só precisa me dizer como ele fez.

— Não tenho certeza ainda, preciso de mais tempo.

— Já foi tempo demais… — Ele suspirou — Preciso do relatório na mesa do delegado antes que ele chegue. Por sorte, ele tem uma reunião agora cedo. Você tem até o meio dia, Laura, no máximo!

— Estará entregue até… — Ele desligou. O que não fazemos por um bom pagamento.

A viagem já durava tempo demais e ele só encontrava percalços no caminho. De mochila nas costas e com a sensação de falta de banho, aguardava a liberação da alfândega para continuar o trajeto, junto com inúmeros outros frustrados turistas na mesma situação. O que poderia estar acontecendo para demorar tanto?

Enquanto mastigava um pedaço do pão seco, de ontem, com manteiga dura, eu tentava raciocinar um pouco mais aquela situação. Já tinha pedido uma dezena de vezes para não colocarem a manteiga na geladeira. Que mania insuportável.

Voltando ao caso, tomei um gole de café morno pra ajudar a descer aquela simulação de café da manhã, me debrucei novamente para a foto da faca. Uma faca. De cozinha. Sem digitais. Largada no meio da sala ainda com o sangue da vítima, um contador de meia idade, divorciado, pai de duas meninas ainda no fundamental.

— A porta não foi arrombada… Nada foi roubado… — Eu pensei alto.

Para todos era um crime passional. Estavam certos de que o cunhado, colega de trabalho da vítima, seu subordinado, o havia matado. Alguns diziam que tinha a ver com o trabalho. Outros ouviram boatos sobre algum tipo de infidelidade em suas relações.

Para o delegado era óbvio:

— O cunhado descobriu a traição da mulher com a vítima e não se aguentou no meio da discussão. Só ele saberia que o contador estaria sozinho no apartamento naquele horário.

Era simples demais, mas…

— Vamos logo fechar esse caso. Isso acontece o tempo todo, não tem motivo ficar enrolando.

…Ele só queria mais um “sucesso” rápido no seu currículo. Almejava um carguinho como Secretário de Segurança há algum tempo. Humberto, incomodado com essa pressa, me ligou logo em seguida.

A chuva apertava lá fora.

Tomei outro gole de café, ainda perdida.

— A faca… a faca… tem alguma coisa errada…

Estava dentro de um ônibus que prometia levá-lo ao seu destino, mas algo o dizia que estava sendo ludibriado. Ele e todos os passageiros. O trajeto parecia que apenas dava voltas e mais voltas, intermináveis. Pegava todas as curvas sem nenhum padrão aparente. Ele jurou que já tinha passado por aquela praça pelo menos duas vezes. Parecia que estavam andando em círculos. Não pode ser tão difícil chegar lá, pode?

Eram oito e vinte e eu só conseguia lamentar ter aceitado esse caso quando achei que seria tão simples quanto jogar detetive. “Dona Rosa com a corda na sala de jantar”. Quem me dera. Talvez naquele momento eu devesse ter assumido que não conseguiria resolvê-lo. Se é que tinha o que ser resolvido. Talvez o delegado estivesse certo. Talvez todos estivessem. Até alguns familiares suspeitavam do cunhado. Uma declaração da mãe da vítima afirmava que havia presenciado alguns sinais de surtos “agressivos” do suspeito principal. Talvez ela só estivesse relacionando as coisas pelo choque emocional que passava. Ou talvez ela fosse melhor no meu trabalho do que eu.

Eu estava tão presa no caso que já não era apenas a faca que me deixava incerta. A posição em que a vitima foi encontrada; Os pratos, ainda com restos de comida, mas arrumados de forma metódica; o isqueiro debaixo do sofá, molhado com o mesmo vinho que estava sobre a mesa.

— Que raios um isqueiro estava fazendo ali? — Foi quando taquei metade dos papéis no chão, frustrada.

Eu já não estava mais aguentando aquilo. Nenhum dos possíveis envolvidos, familiares ou conhecidos, fumavam. O fogão era elétrico e mesmo assim havia um acendedor ao lado. Na gaveta da cozinha havia caixas e caixas de fósforo e velas para o caso de apagões, que ocorriam com certa frequência naquela região da cidade.

Tudo o que parecia óbvio no início estava, cada vez mais, se tornando um labirinto.

Uma mensagem chegou no celular. Era Humberto.

“E o relatório?”

Maldito Humberto.

Cada vez mais parecia que nunca chegaria. Não entendia. Era pra ser uma viagem rápida e até proveitosa. Acabou se tornando um pesadelo. Sabia que estava perdido. Havia descido do ônibus numa encruzilhada que percebeu que já havia passado. Não sabia onde estava. Havia um pequeno centrinho comercial bem próximo. Decidiu, mal-humorado, pedir algumas infomações e talvez tentar alugar algum carro para se virar sozinho. Não contava com todos esses gastos e esforços. Era só uma viagenzinha.

Dez e dez. Humberto ameaçava, através de mensagens, ir até o escritório buscar o relatório. Uma pena que ele ainda não existia. Eu apenas ignorava as suas mensagens. O que apenas o fez começar a ligar e deixar tocando infinitamente. Desliguei o celular mas mesmo assim a paz não veio. Há uma hora atrás eu havia prometido que era uma questão de honra solucionar esse caso. Já não havia mais honra alguma agora. Estava derrotada. Cansada. Com azia de tanto café. Sem cigarros. Fiquei tentando imaginar a cara do cunhado quando o prendessem. Era o que aconteceria. Afinal, fui inútil. Nem algum tipo de palpite plausível sobre ele ser mesmo o culpado eu consegui elaborar. Estava tudo confuso. Eu estava esgotada. Essa era a sensação. Meus olhos começavam a se fechar sozinhos enquanto eu tentava lutar contra aquele sono terrível que me abatia. Pensei em fazer mais café, mas não tive forças para me levantar da cadeira. Estava confortável. E ficou ainda mais aconchegante quando deitei minha cabeça sobre meus braços cruzados no meio de todos aqueles documentos e fotos. Eu só queria que aquele dia interminável acabasse. Eu só queria… Eu só precisava de alguns minutinhos… Se eu colocar o despertador… Droga, tinha desligado o celul……

Com o carro alugado e um mapa velho que encontrou no porta-luvas, recomeçou seu trajeto. Estava preso em um engarrafamento quando, como que num passe de mágica, a via foi liberada e todos os carros começaram a circular de forma acelerada. Aquilo alegrou seu dia. Parecia que todos agora davam passagem. Não pegou nenhum semáforo fechado, eles abriam no exato momento que seu carro se aproximava. Só podia ser um sonho. Mal se lembrava dos perrengues que havia passado no inicio da viagem. Estava focado no destino. E ele se aproximava. Cada vez mais rápido. Já reconhecia os arredores. Sorriu para as luzes que pareciam exaltar sua chegada. Reconheceu sua hospedagem. Parecia que já a conhecia de muito tempo atrás, mas era a primeira vez que a via de perto. Quando saiu do carro, uma senhora simpática veio recebê-lo.
— Olá, que bom que chegou. Como foi a viagem?
— Deu tudo certo. Deixa eu pegar minha mochila.

— LAURA! LAURAAAAA! — As batidas violentas na porta me acordaram.

Apesar da curta soneca, sentia como se tivesse passado a noite inteira em um spa.

— Pode entrar! — Eu gritei enquanto liberava a tranca eletrônica. Era Humberto, óbvio.

Quando abriu a porta, pude ver que já não chovia mais. Ele entrou enquanto eu reorganizava as fotos na minha frente.

— Você está louca! Já passou do meio dia! O delegado está a caminho da unidade e você está DORMINDO?! — Ele estava possesso. Com razão, admito.

Mas eu não estava prestando atenção na sua crise de frustração. Eu tinha entendido tudo, como se tivesse sonhado com aquilo. Uma luz havia acendido na minha cabeça. Continuava buscando rapidamente nas fotos o que eu já tinha visto mas não realmente enxergado.

Eu havia encontrado uma saída do labirinto.

Virei, em êxtase, com sorriso de orelha a orelha, para o inspetor bufante que me fitava:

— Humberto! Resolvi! Não foi o cunhado!

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