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#15 - QUANTO DE BOM FAZ ALGO PERFEITO?

  • Foto do escritor: Deixa Eu Pensar
    Deixa Eu Pensar
  • 9 de mai. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de mai. de 2024

Como podemos usar uma palavra para determinar um padrão quando não sabemos o que é esse padrão?

Imagine que na sua frente você tem um monte de arroz, vamos dizer cinco mil grãos de arroz.

Se você tirar um grão de arroz, você ainda tem um monte de arroz.

Se você tirar outro grão de arroz, você ainda tem um monte de arroz.

Então, quantos grãos você precisa tirar para deixar de ser um monte de arroz?

Vamos pensar no inverso. Você tem um grão de arroz e um grão de arroz não é um monte. Você adiciona outro grão de arroz. Dois grãos de arroz não são um monte de arroz ainda. Então em que momento esse conjunto de grãos de arroz se tornará um monte de arroz?


Esse exercício exemplifica o Paradoxo Sorites, criado por Eubulides de Mileto no séc IV a.C. e tem um objetivo muito claro: desafiar a ideia de imprecisão.


Eubulides dá outro exemplo.

Uma pessoa com 1 fio de cabelo na cabeça é considerada careca.

Se uma pessoa com 1 fio de cabelo é considerada careca, então uma pessoa com 2 fios de cabelo também é considerada careca.

Logo, se com 2 fios é considerada careca, então com 3 fios também é considerada careca.

Seguindo essa lógica, então uma pessoa com 50 mil fios de cabelo, também é considerada careca, o que gera um paradoxo já que essa quantidade de cabelos já preenche e bastante a cabeça.

Então, em que momento deixou de ser considerada careca? Existe um número específico?

Com 999 fios é careca, com 1000 não é mais?


Apesar dos exemplos simples onde as definições exatas de monte de arroz e careca não tenham exatamente uma utilidade prática, o paradoxo sorites traz à luz debates muito mais relevantes quando conseguimos enxergá-lo em situações subjetivas, onde percepções individuais resultam em definições específicas e nunca universais.


É nesses casos onde a pergunta inicial retorna: como definir um padrão, a partir de um termo ou palavra, quando não sabemos qual é esse padrão?

O próprio questionamento já é um paradoxo, deveria ser impossível, é ilógico… Mas fazemos o tempo todo.


Em outro episódio do Deixa Eu Pensar falei sobre um caso clássico de Paradoxo Sorites. Episódio 2, O Que é o Amor?


O dedico inteiramente à examinar como o Amor não é algo preciso, mas sim um conjunto subjetivo de sentimentos, sem métrica, impossível de determinar. E, levando para a estrutura do Paradoxo Sorites, podemos complementar o questionamento.


Quanto de afeto é necessário para ser amor? Em que momento o gostar se torna amar?

E quanto de qual sentimento se precisa perder para deixar de amar?


O Amor é um Paradoxo Sorites por si só e caso não tenha ouvido o Episódio 2 sobre o Amor, ficaria muito feliz que você voltasse alguns episódios para escutá-lo, é um dos meus favoritos.


Mas não paremos por aqui, existe outro conceito muito comum usado no dia a dia que também se enquadra em um Paradoxo Sorites: o da Perfeição.


Qual é o evento que transforma uma situação boa em uma situação perfeita? Quando algo que está funcionando bem se torna algo que funciona perfeitamente? Qual é o exato momento em que uma pessoa perfeccionista assume que um trabalho está perfeito?


É claro que não existe uma resposta precisa, cada situação demanda um conjunto específico de variáveis somada a percepção que quem a avalia. Logo, por se tratar de um conceito subjetivo e totalmente individual, perfeição não existe como uma métrica universal e o seu uso é paradoxal.

Afinal, quem define o “perfeito”? Alguém “perfeccionista”? Mas baseado em quê? Como um perfeccionista define o que é perfeito? O que é um perfeccionista, afinal?


Alguém nublado por um ego colossal que se acha capaz de determinar os limites do perfeito?

Ou então alguém que sofre de algum tipo de insegurança e precisa sempre se colocar numa posição de busca pela situação que vai lhe garantir segurança?

Talvez alguém que assume a perfeição como algo dado, já existente, e a ansiedade dentro de uma vida normativa a faz sempre buscar o padrão já estabelecido como perfeito?


Alguém que confunde críticos de arte com cópias de pinturas de Picasso replicou a obra à perfeição? São as obras de Picasso, perfeitas?


Independente do caso, o perfeccionista nada mais é do mais uma pessoa com clareza limitada sobre sua própria definição do que é perfeito.

A perfeição é tão imprecisa quanto a busca por ela. Uma busca incessante por algo nunca alcançável.


E o mais interessante é que o problema paradoxal da perfeição não é exatamente a sua busca, mas a certeza de que ele existe.


A busca por melhorias, mudanças, experiências, novas perspectivas e novos conhecimentos é válida e muito bem vinda. Mas entender a metamorfose da realidade como algo fluído, sem um limite ou um fim alcançável, assim como Heráclito acreditava num constante Devir, um constante movimento e transformação, é fundamental para não traçar limites imaginários que vão gerar cobranças injustas ou afastamento da dessa realidade. É sempre importante ter em mente que algo que pode ser perfeito para você provavelmente não é perfeito para outra pessoa, assim como o Amor é sempre diferente para cada um de nós.


Logo, não se prender ao primeiro conceito de Perfeição que adotamos para determinadas situações deixa aberta a porta para exploração e expansão de consciência sobre essas mesmas situações.


Entender que a Perfeição é um Paradoxo Sorites a coloca numa posição leve em nossa consciência, onde podemos entender com maior clareza o porque tomamos determinadas ações e o quanto delas são essenciais ou não para determinado objetivo.

Deixa Eu Pensar | #15 - Quanto de Bom Faz Algo Perfeito?

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