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#9 - QUÃO RECÍPROCA É A RECIPROCIDADE?

  • Foto do escritor: Deixa Eu Pensar
    Deixa Eu Pensar
  • 8 de dez. de 2023
  • 4 min de leitura
“Portanto, tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles.” 

Mateus, Capítulo 7, Versículo 12.


Uma das passagens mais famosas do cristianimo que define o que hoje é denominado A Regra de Ouro, contendo em si todo o conceito de “amor ao próximo”. Esse verso, porém, não foi uma originalidade de Jesus e sim uma apropriação moral de outras apropriações mais antigas que já declaravam essa mesma essência séculos antes.


“Esta é a suma do dever: não faças aos demais aquilo que, se a ti for feito, te causará dor.” 

Escrituras Hinduístas de mais ou menos 300 a.C.


“Não façais aos outros aquilo que não quereis que vos façam.” 

Confúcio, por volta de 500 a.C.


“Não atormentes o próximo com aquilo que te aflige.” 

Budismo, também por volta de 500 a.C. 


“Um caráter só é bom quando não faz aos outros aquilo que não é bom para ele mesmo.” 

Zoroastrismo, religião persa de mais ou menos 600 a.C., quase a mesma idade de Tales de Mileto, pai da filosofia ocidental.


É interessante perceber como sempre foi necessário uma lição moral metafísica para tentar manter o mínimo de paz dentro das sociedades.


Esse conjunto de “mandamentos”, que é passado de religião em religião até os dias de hoje para tentar garantir certo bem-estar entre os povos através de uma espiritualidade individual, hoje é conhecido como A Ética da Reciprocidade, um conceito estritamente unilateral que exige, a fim de obter sucesso, que o grupo adepto haja da mesma forma, em uma ação comunitária.


Esse conceito, apesar do nome, é controverso ao que conhecemos como reciprocidade dentro de nossos relacionamentos, uma vez que quando praticada de acordo com as doutrinas que as proclamam, não espera nada em troca. É um exercício de alma que deve entender a falta de controle nas ações do outro e agir sempre com o caráter moral e cultural esperado, mesmo que o resultado esperado por essa Ética, a priori, seja um tipo de controle do conformismo social.


A Regra de Ouro, por ter a pretensão de ser uma lei para, basicamente, TODAS as pessoas, acaba por se tornar rasa, uma abstração sem muita utilidade quando tratamos de afecções e aflições tão únicas que são geradas a partir de relações complexas e bem individuais. 


E assim surge um subconceito flutuante que essa reciprocidade do bem-estar não aborda e, que inclusive, é aquilo que desestabiliza qualquer equilíbrio moral que nos esforçamos para conquistar com esse toma lá, dá cá social: Expectativas.


Como lidar com elas? 

Como lidar com a esperança de obter algum tipo de valor em troca daquilo que oferecemos? 

Como lidar com a frustração de não obter esse valor? 

Como não pré-estabelecer contratos sociais mentais que determinam comportamentos ideais para nós?

Como manter o ânimo e o esforço em ser o lado da relação que sempre inicia o engajamento social?

Como evitar pensamentos de abandono quando acreditamos que não estamos tão presentes na mente das pessoas quanto imaginávamos?


Essa reciprocidade garantida na realidade não é tão garantida assim. Esperar do outro o mesmo nível de comprometimento dentro de qualquer relação é uma armadilha para ansiedade, frustração e amargura. Qualquer escola filosófica helenística da Grécia antiga diria que não faz muito sentido essa expectativa, essa crença em tentar adivinhar como vão agir com base em como agimos, uma vez que não temos como ter controle algum sobre comportamentos e sentimentos de outras pessoas. 


Nunca entenderemos por completo toda a psique da personalidade de alguém, nem o impacto emocional que o momento atual de vida têm sobre cada pessoa, nem os traumas que já foram vividos por elas, nem o porquê de suas crenças, nem o quanto somos considerados dentro do grande círculo relações que elas têm com todas as outras pessoas de suas vidas.


É claro que existem acordos silenciosos, principalmente em relações mais íntimas, como os amorosos, familiares e de amizade, mas ainda assim, o grau de consideração e afeto que você tem por alguém nunca será o mesmo que esse alguém tem por você. Além disso, o valor e a atenção que você proporciona é flexível, se transforma de acordo com as experiências e interesses que adquirimos dentro e fora de nossas relações.


Então, muitas vezes, quando acreditamos que estão nos faltando com atenção ou valor, talvez apenas signifique que exista alguma outra relação ou interesse para essa pessoa esteja exigindo mais energia da qual você está envolvido, pelo menos nesse momento, mas não significa exatamente que seu valor diminuiu para o outro.


Isso quer dizer que a reciprocidade talvez deva ser entendida não como um conjunto de ações a serem trocados em igual quantidade, mas sim como o entendimento do significado que aquela relação tem ou teve para todos os envolvidos.


Se não for dessa forma, acabamos por criar expectativas desleais, que devem ser cumpridas apenas pelo capricho de nossas necessidades pessoais, sem considerar de fato tudo que todos estão vivendo e tendo que distribuir energia neste exato momento de vida.


Mas então, como lidar com as expectativas?


Talvez não lidar seja um caminho, entender que não faz diferença no final, já que a vida continuará e as relações continuarão, e se transformarão, como deve ser o natural. Não tentar controlar essa transformação.


Talvez não desistir de entregar mesmo não obtendo o que estava esperando seja outro caminho. Temos o costume de acreditar que se fazemos mais por alguém estamos sendo feitos de bobos, e esse pensamento, dentro de relações significativas, pode ser um veneno. Talvez não deixar de ser a pessoa que você é, mesmo não tendo o mesmo em troca, quando você sabe que pelo menos o sentimento de afeto é mútuo.


Talvez se esforçar para elevar reciprocidades incomuns ou criar novas. Quantas vezes você se dedica em relações que não são tão íntimas? Você espera algo dos outros, mas será que também não estão esperando algo de você?


A verdade é que na complexidade das relações que envolvem inúmeras variáveis e experiências, é impossível dar uma fórmula do bem-estar social. Estabelecemos regras, silenciosas ou não, para conseguirmos lidar melhor com a angústia que é lidar com nossos sentimentos em relação a outras pessoas. Mas talvez deveríamos primeiro lidar com os sentimentos em relação a nós para conseguirmos evitar futuras frustrações sobre aquilo que não temos controle.

Deixa Eu Pensar | #9 - Quão Recíproca é a Reciprocidade

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