#5 - QUEM É VOCÊ?
- Deixa Eu Pensar
- 10 de nov. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de nov. de 2023
Será que alguém realmente consegue responder a essa pergunta de forma completa?
Será que essa resposta sequer existe?
Soa até como uma ousadia, num mundo tão incontrolável, com tanta diversidade e ainda assim dentro de um certo pré determinismo cultural, nos perguntar:
- “Quem é você?”
Geralmente essa indagação tão famosa e tão temida vem daquela pessoa com o pretensiosismo de estar elaborando uma questão profunda, que vai te fazer refletir, mas que no fundo, já está preparada para todas as respostas que você der.
- “Ah, eu sou professor.”
- “Não não, isso é a sua profissão.”
- “Bom, eu gosto de ler suspense, correr e de cerveja com os amigos.”
- “Não não, esses são seus gostos.”
- “Então posso dizer que sou uma pessoa preguiçosa às vezes, mas geralmente bem humorada.”
- “Não não, agora você disse apenas alguns traços da sua personalidade, mas quem é você DE VERDADE?”
E esse bate e volta será infinito até que você se canse e diga:
- “Então, não sei dizer, tenho que pensar mais… Está com fome? Bora pedir?”
Pronto, salvo por quitutes, talvez um dos melhores jeitos de se livrar de alguma situação constrangedora ou entediante.
Mas, se você, às vezes, para pra refletir despretensiosamente sobre sua “essência” como ser vivo, apenas pelo autoconhecimento, e não existe alguma pessoa tentando tirar algo de você que nem ela mesma sabe a resposta quando também questionada, então podemos caminhar por alguns pensamentos interessantes.
Começando pelo modelo da pergunta em si, que é tão simples e parece que espera objetividade como resposta. Mas como responder à altura se não encontramos nem simplicidade tão pouco objetividade em nossas vidas ou no que chamamos de identidade?
É muito fácil se abster da responsabilidade introspectiva de uma análise pessoal que provavelmente nem lhe entregue o que é essa tão procurada “essência”, nem como ser humano, esse corpo biológico provido de consciência, nem dentro de sua individualidade como um ser pensante único.
E, como seres pensantes, poderíamos alegar que somos aquilo que pensamos? Descartes nos entregou o famoso “penso, logo existo”, afinal. Talvez seja um começo, mas em seu livro, O Discurso do Método, a frase “cogito, ergo sum” não foi elaborada para discutir essência e sim realidade e existência.
E EXISTIR e SER são conceitos diferentes.
Uma semente de café EXISTE, mas apenas SERÁ uma bebida quente e aconchegante após passar por um processo que, apesar de específico, terá resultados finais bem diferentes dependendo do conjunto de variáveis aplicadas em sua preparação.
Logo, seria nossa identidade resultado de um processo?
Muitas variáveis podem impactar o que chamamos de identidade. Poderíamos assumi-las como as experiências que foram vivenciadas desde o nascimento do indivíduo. O conjunto de eventos encadeados que leva a percepções de mundo individuais e determina uma devida personalidade a alguém.
Mas, se pensarmos apenas em aspectos externos, mais questões seriam levantadas. Os eventos sofridos e as decisões tomadas são realmente da pessoa que as vive ou apenas um conjunto de micro programações socioculturais que nos levam a resultados muito parecidos, apesar de suas variações?
Se assim for, seria a identidade nada mais do que um conjunto de cópias de “identidades” que já existiram e vem sendo passadas adiante pelo tempo? Afinal, como seres sociais e modeladores de comportamentos desde épocas onde a sobrevivência era uma prioridade, como podemos estabelecer uma identidade única e estritamente pessoal, se toda a nossa história é uma corrente de referências e heranças?
Bom, quanto mais refletimos sobre identidade, mais difícil é relacioná-la a qualquer tipo de essência única, por mais que tenhamos certeza que nossas vidas e pensamentos são apenas nossos, afinal, pensamos, logo existimos, certo?
Como poderíamos então acreditar que não somos resultado final de tudo que veio antes? Um aglomerado de ideias e comportamentos definidos em massa, ao longo de anos e que não tivemos escolha alguma a não ser mergulhar e fazer parte desse grande conjunto de identidades vinculadas entre si.
Um pensamento um pouco assustador, já que implica não termos escolhas e sermos apenas produto de um determinismo comportamental, que inclui até nossos gostos e escolhas. Dessa forma, poderíamos dizer que nossa essência não é individual?
Talvez a complexidade de tentar definir uma essência seja tão subjetiva e tão difícil de enxergar olhando de perto que sua importância em como a usamos para lidar com a vida seja pequena, no final.
A busca por uma identidade que nos define, apesar de significativa, pode ser uma armadilha para certo “engessamento” de ideias e muitas vezes pode mais nublar nosso entendimento de nós mesmos do que esclarecer algum tipo de valor ou comportamento.
José Ortega y Gasset, filósofo espanhol que viveu nos séculos XIX e XX, ignora a existência de uma ESSÊNCIA na identidade. Muito influenciado por Heráclito, este que acredita que estamos em constante metamorfose, Ortega diz que o EU é um emaranhado entre o sujeito e as suas circunstâncias.
Então, comportamentos sociais, ofícios, gostos, competências, pré disposições genéticas, experiências, tudo faz parte do Eu. E ao mesmo tempo que tudo faz parte, tudo também pode mudar, pode se remodelar dependendo de novas circunstâncias. Não será você em 5 anos senão uma equação do que é hoje com todas as mudanças que ocorrerão devido a novas ideias e experiências que viverá até lá?
Ortega entende a Vida como um estado de DEVIR, que é um fluxo em constante mudança. E isso é contraditório a SER, pois “ser” implica em algo estático e imutável.
Talvez nos entendendo como indivíduos em constante mudança, podemos manter mais aberta a nossa disposição para novas ideias e aprendizados, ao invés de nos fecharmos em conceitos estáticos, sempre as mesmas crenças e comportamentos.
E na realidade, forçar uma imutabilidade seria impossível, pois assim como Heráclito disse que “ninguém pode se banhar no mesmo rio duas vezes, pois na segunda vez as águas não são as mesmas e nem o indivíduo”, estamos em constante metamorfose involuntária a cada segundo que se passa.
Então, já parou pra pensar:
Quem é você, nesse exato momento?
Deixa Eu Pensar | #5 - Quem é Você?
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