#45 - CARTA AO MOVIMENTO
- viniciuscagnotto
- 15 de out.
- 3 min de leitura

A meu estimado e ausente amigo,
É com certa incerteza que lhe faço este distante contato, pois possuo uma ignorante compreensão de tua consideração a mim como uma igual.
Ora, não ouso dramatizar cada sílaba, tampouco confrontar tuas absências. Julgo evidente, porém, este teu novo comportamento de uma presa qualquer, entocada em um buraco qualquer. Há muito permanece escondido de invisíveis predadores, dos mais famintos, que necessitam de ti para sobreviver. Predadora, pois, nunca me nomeei. Admito, no entanto, que tua falta é percebida tristemente pelos meus ânimos, aqueles mais relevantes, que configuram o que me faz ser a priori.
Escrevo-te para contar-lhe sem mais delongas: a posteriori me tornei.
NÃO! A posteriori teu sumiço me tornaste!
Me abandonaste!
Ingrato!
Carreguei a ti como se carrega um infante que pouco sentiu os raios quentes do Sol.
O acompanhei por trilhas em pedregulhos, sustentando cada tropeço mal entendido.
Estive presente ainda que a inércia lhe fosse intimidadora.
Estive. Era. Fui.
E para quê?
Para quê tanta dedicação em ti?
Será que acreditei demais? Será que fantasiei demasiadamente? Será possível tamanha ilusão?
Não aguardo uma resposta.
Também não venho lhe comunicar qualquer pedido.
Menos ainda pretendo garantir a esperança de um retorno, ainda que uma fagulha se apodere de mim a cada palavra escrita.
Verdade seja dita, motivo algum tenho para escrever-te senão para causar-lhe constrangimento ao tomar conhecimento dos males que me atormentam com tua escassez.
Sim. Menti! Tuas absências serão confrontadas!
Prepara-te, mal-agradecido!
Tome ciência: usam-me!
Lamente saber: abusam-me!
Chore ao conceber: violam-me!
Tomam-me como produto infértil e voltam a me agredir descaradamente, sem qualquer princípio ou moral. Tornei-me escrava dos usurpadores do intelecto. Apenas uma porta-voz das sensações mais banais.
Suja, é como me sinto e como quero que te sintas, pois é o causador de tamanha desgraça.
Sou violentada pela inatividade.
Amaldiçoada pela falta de deslocamento.
Não me é possível, sozinha, sem ti, o impulso necessário para mudar. Ah, e como essa incompetência é incômoda. Como me sinto revoltada. Não preciso esconder-te, tu que me conheces tão bem, a rachadura na casca que me gera falsa confiança.
Sou um ovo de galinha que acaba de ser pisoteado!
Pisoteado por ti!
Tu és meu malfeitor e desejo que teus nervos entrem em calamidade a cada disparo de realidade agourenta que lhe deixo a par.
…
Perdoa-me. Exaltei-me sem a necessidade.
Não cumpri com a promessa de evitar o drama mas era necessário que o ponto fosse estabelecido. Não me estenderei em problematizar tua falta de camaradagem. Dedicarei o resto de meu tempo de lucidez em iluminar-te dos teus atributos. Acredito, com aquela última fagulha mencionada, que podes apenas estar passando por alguma crise de identidade ou lhe falte algum conhecimento que tenha lhe causado insegurança, fenômeno que o fizera se afastar tanto e por tanto tempo.
Dói-me ceder, mas sabemos que és tu quem circula qualquer compreensão, não eu.
Ora, nunca eu. Como disse, sou uma casca. Tu és a alma e sem ti sou nada.
É tua vibração que agita o entendimento.
É tua rotação que encaixa as peças.
Teu fluxo não aceita barreiras e teu trajeto não permite fronteiras.
És transgressor na emancipação.
Não deixa pedra sobre pedra. Todas rolam.
Ignoro a vergonha ao confidenciar-lhe que me alegrava tua capacidade de abalar os inadvertidos, causando tamanho espanto que até os mais empacados se viam obrigados a escolher vias. Ah, era um deleite.
Um deleite nostálgico.
Um eco do passado que me agracia as lembranças durante os momentos de tormenta.
Se ainda não entendeste, digo com todas palavras: tu és necessário!
Não. Não está certo. Ainda me reprimo e não há mais espaço para isso.
Todas as correntes já foram quebradas e me vejo em desespero.
Direi novamente, agora com a verdade do pouco coração que minha casca é capaz de hospedar:
Tu és necessário, para mim!
Sinto tua falta!
Desejo, em realidade, que aquela fagulha, meu último suspiro, incendeie intensamente a sua consciência e ilumine graciosamente o caminho que o trará de volta para mim.
De tua velha e saudosa amiga, caso assim ainda a consideres,
A CRÍTICA
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