#24 - O MEIO ENTRE DOIS PONTOS

[...]. (PONTO)

Que estranho. Me sinto vazia.

Será que bem na minha vez não há mais ânimo?

Bobeira. Lá vem a caneta.

Seu toque suave na folha em branco me dá um frio na barriga.

É um roçar delicado, mas firme. E com essa prontidão, iniciamos.

Algo me puxa para frente, mas ainda hesitante.

Uma vontade de gritar mas sem saber o quê.

Será que vou ser engraçada? Profunda? Tensa?

Só de pensar, fico mais nervosa.

Ou será que serei rasa, fútil, uma piada de mal gosto?

Quanta aflição. Não posso pensar nisso.

Estou empolgada demais para me sabotar.

A cada palavra desenhada eu me torno mais eu.

E não consigo me controlar.

É como se eu mesma me impulsionasse para que essa montanha russa de linhas e símbolos significasse aquilo que sou. Vou me conectando mais comigo mesma.

Ao mesmo tempo, não sei o que há pela frente.

A próxima palavra pode ser qualquer coisa.

E esse misto de certeza e curiosidade me intriga.

A linha livre e rústica desenha meu corpo. E a sensação é boa.

Um calor me contamina.

Espera! Será que vou me contradizer?

Já pensou? Seria hilário.

Um começo seguro com um fim completamente trágico.

Aliás, será que vou ter um fim?

Gostaria que não, apesar de saber que é necessário.

Poderia ficar horas aproveitando esse trajeto interminável que me faz sentir viva.

Mas a verdade é que eu só existo porque finalizo.

Sou um intervalo.

Sou o intervalo entre o que já foi e o que ainda vai ser.

Ah, não. Droga!

Não quero acabar agora. Ainda não.

Me deixa deslizar um pouco mais nesse fluxo gostoso de significados.

Me deixa viver por mais alguns segundos essa delícia criativa.

Ufa!

Era uma vírgula.

Ah, eu adoro vírgulas, elas me deixam respirar.

E me dão cócegas. Aquelas bem leves que arrepiam.

Tempo para um longo suspiro antes de continuar.

E continuamos. Uau, um vocativo!

Acho que estou ficando cada vez mais eu e a euforia vai me dominando.

Devo estar quase completa. Mas ainda não cheguei lá.

Imagina só se eu for a última frase de um parágrafo?

Que responsabilidade.

Que tesão, nossa!

Mas não importa o que vem depois.

O que importa é o que sinto agora.

Que é intenso.

É isso que sou.

Intensa.

Estou indo.

Estou chegando.

Estou quase lá.

Acho…

Acho que agora vou...

. (PONTO)

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