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#19 - FRIEREN E A DEMOLIÇÃO DO SER

  • Foto do escritor: viniciuscagnotto
    viniciuscagnotto
  • 10 de mar.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 23 de mar.


A apatia da naturalização, imposta pela rotina do conhecido, é uma janela do segundo andar já, há muito, uma amiga. Sua paisagem é recorrente, salvo pequenos movimentos esporádicos. Os olhos, que observam através desse único escape de um aprisionamento espacial, são incapazes de alcançar aquilo que enxergam, afinal, a dimensão em que se encontram não toca o plano que os levaria a experimentar o que a visão produziu.


Ver nem sempre é estar. Assim como vivenciar nem sempre é sentir.


Ainda assim, a intimidade com essa “amiga” é tão estreita que esse afastamento sensorial traz, na realidade, conforto. Um conforto de conseguir categorizar em nosso entendimento aquilo que presenciamos ou convivemos. Um atalho que, com alívio, julga dentro das expectativas projetadas por nós mesmos. E assim, em uma crescente, nos tornamos viciados em julgar mais e mais o nosso entorno, pois isso nos afirma como indivíduos e nos dá mais repertório para projeções esperadas. Um ciclo vicioso de definições “padrão”.


Buscamos vivências para construir o ser.

Uma caça objetiva. Colecionamos substâncias e categorizamos entes para catalogar nossos gostos e desgostos pelo mundo.


Mas será que é racional produzir entendimentos substanciais do outro?

O conforto é um critério válido para o esclarecimento do eu?

Seria a identidade alheia à alteridade?


O mergulho em si mesmo requer mais do que apenas os entes pré-definidos que atribuímos sem pudor. Ninguém é apenas uma nota dentro de uma escala musical, assim como ninguém age sempre da mesma forma que uma cor age de encontro aos mesmos raios de luz. A vida não é um mapa astral.


A “desentificação” do indivíduo se inicia quando nos dispomos a vivenciar de forma sentida o que nos traz maior angústia: O reconhecimento de que não conhecemos o outro.


O outro não é uma substância pré-estabelecida em nossa mente, criada para apaziguar nossos anseios. O outro é um evento, e a cada momento esse evento se dá em um diferente tempo e espaço, o que faz dele algo sempre novo e diferente, impossível de essencializar. Impossível de definir. Impossível de se repetir.


Angústia.

Como viver tendo em mente que aqueles que você conhece tão bem são na realidade apenas novos desconhecidos?


No final, que diferença faz?

Questões mais relevantes talvez sejam:


Por que essa necessidade de ter sob controle o que conhecemos de cada um à nossa volta?

Por que a racionalização da alteridade é mais cara que o sentimento experienciado com os outros ou à partir dos outros?


Buscamos sentir para desconstruir o ser.

Uma caça espontânea. Apenas através daquilo que nos confunde e nos tira das certezas rotineiras é que podemos chegar mais próximos ao esclarecimento do eu, daquilo que nos faz, ainda que não seja fixo e que nunca será. Somos eventos.


Em cada uma das janelas que nos é aberta, nossa visão se entrelaça com ainda outras, reconstruindo substâncias demolidas a partir de significados cada vez mais voláteis.


Apenas através do esmigalhamento das certezas é possível vislumbrar os afetos de um belo campo de flores, de comidas saborosas em boa companhia ou de despedidas rápidas.


Angústia.

Por que não?

Deixa Eu Pensar | #19 - Frieren e a Demonição do Ser

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