top of page

#10 - A ALQUIMIA DOS PENSAMENTOS

  • Foto do escritor: Deixa Eu Pensar
    Deixa Eu Pensar
  • 2 de fev. de 2024
  • 4 min de leitura

O mecanismo do aprendizado é um tópico que já tirou o sono de muitos filósofos. Não é à toa que existe uma área, dentro da filosofia, dedicada especialmente a estudar os mistérios do conhecimento, a Epistemologia. Do grego Episteme, “conhecimento”, e Logia, “estudo”. 


Tentando organizar o nosso processo mental a fim de trazer luz a essa transformação de ideias que ocorre em nossos pensamentos, um filósofo grego escreveu diversos livros que explicam, passo a passo, como a racionalidade funciona.


O Organon é um conjunto de obras sobre lógica, escritas por Aristóteles e utilizadas como referência até os dias de hoje. A título de curiosidade e também de indicação, comentarei rapidamente sobre cada livro dessa Bíblia da Lógica.


Começando por Categorias, um tratado sobre separação organizada de termos que representam um conjunto de objetos similares, como animais, plantas e humanos.


Depois vem o Da Interpretação, onde elabora sobre propriedades dos objetos do mundo, atribuindo características interpretativas sobre as mesmas, como “plantas são verdes” ou “leão é carnívoro”.


Analíticos Anteriores, um dos mais citados por conter a apresentação do Silogismo, ou a lógica da dedução, que segue uma estrutura de raciocínio básica: Premissa 1. Premissa 2. Conclusão. 

Por exemplo: Os seres vivos são mortais. O ser humano é um ser vivo. O ser humano é mortal. Ou então, mais atual: Café certo é sem açúcar. Você coloca açúcar no café. Você está errado.


Analíticos Posteriores, um tratado mais complexo, que aprofunda em raciocínio científico, elaborando melhor os silogismos.


O penúltimo, Tópicos, o predecessor e inspiração principal da obra A Arte de Ter Razão de Schopenhauer. Basicamente um manual para debates.


E por fim, Elencos Sofísticos, outro manual, mas agora para identificar falácias argumentativas.


Mas é em Analíticos Posteriores que Aristóteles abre alas para um conceito hegeliano fundamental para a evolução, ou transformação, dos pensamentos. E ele o faz através da seguinte citação:


“Todo ensinamento dado ou recebido através do raciocínio provém de um conhecimento preexistente”.


Essa frase por si só já gera debates monumentais sobre aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, novos ou já adquiridos. Implicitamente, ela já determina algum tipo de Dialética envolvida no processo epistemológico do ser humano. E como a Dialética é exatamente o conceito de conflitar ideias com o objetivo de buscar alguma verdade, Hegel não poderia ter sido mais cirúrgico quando desenvolveu o seu conceito de Síntese.


Uma verdadeira alquimia de pensamentos, a Dialética Hegeliana funciona como uma transformadora de ideias. E ela segue uma estrutura tão simples quanto a do Silogismo: Tese, Antítese, Síntese.


Na Tese encontramos a ideia inicial, a crença atual, o pensamento, na maioria das vezes, abstrato que representa um argumento verdadeiro para quem a formula.


Então, a confrontamos com a Antítese, um argumento contrário, uma provocação, algo que a tese não contemplou, algo para gerar um conflito.


Nos dias de hoje é muito comum perceber que grande parte dos debates de ideias param apenas nesses dois pontos. Ataques e contra ataques de teses e antíteses, mas que no final, nada realmente é construído como resultado. Muitas vezes estamos tão presos aos nossos próprios silogismos que dificilmente vamos abrir mão daquilo que acreditamos.


E é nesse ponto que a dialética hegeliana evoca o conceito da troca equivalente. Ela exige uma troca intelectual para que algo surja do conflito entre tese e antítese. Para que possamos chegar a uma conclusão nesse processo algo deve ser deixado de lado: nosso ego, nossas crenças pessoais, nosso dogmatismo, nossa resistência a algo que não conhecemos ou ainda entendemos. Sem essa troca, não é possível finalizar a alquimia do racional e chegar à Síntese.


A síntese hegeliana é o resultado do conflito de tese com antítese e sempre resulta em um novo pensamento, algo que ainda não havia sido explorado. Dessa forma, a evolução, ou transformação, de pensamentos ocorre de forma racional sempre buscando uma verdade cada vez mais verdadeira do ponto de vista ou contexto determinado pelo assunto em questão.


Dessa forma, nossos pensamentos vão se expandindo em um processo de metamorfose, e não apenas de acumulação, pois o acúmulo de ideias sem que de alguma forma conflitem com nossos conhecimentos atuais, acabam se tornando apenas uma informação descartável.


Desde crianças escutamos que o Sol é amarelo. Esse conhecimento cotidiano que acompanha as pessoas até o fim de suas vidas é uma Tese em suas mentes. Se eu olho para o céu e o sol é da cor amarela, então assim está definido.


A Antítese a esse pensamento, que parece tão óbvio, é o entendimento científico de que o Sol é um astro que a partir de todas as suas reações químicas emite todas as ondas do espectro de luz e quando os fótons de todas essas ondas emitidas chegam a nossos olhos, o resultado visual interpretado pela nossa mente é branco. Porém, como a atmosfera terrestre dissipa os raios eletromagnéticos do espectro de cores azul e violeta, o resultado visual do Sol, se torna amarelo.


A Síntese desse conflito de informações é de que o Sol, na realidade, é branco e o céu não tem uma cor, mas dependendo das variáveis físicas e químicas envolvidas na percepção que quem as observa, os resultados visuais podem ser diferentes.


O que foi gerado desse conflito de ideias foi uma metamorfose de pensamentos que não necessariamente precisa excluir totalmente a Tese, mas sim parir um novo conceito mental com a combinação de ambas as partes do conflito. 


E o mais bonito desse processo é que não existe um final, a Síntese pode, e provavelmente vai, se transformar em uma nova Tese. Agora que temos uma nova Tese sobre a cor do Sol, qual Antítese podemos trabalhar para evoluir esse conhecimento?


Muito apoiado pela dialética hegeliana, é mais ou menos dessa forma que o pensamento científico trabalha para conquistar novos patamares de conhecimento racional e dessa forma quebrar velhos conhecimentos e velhas crenças que atrapalham o discernimento da realidade das civilizações.


Afinal, o girassol e a banana são amarelos. O girassol e a banana são da cor do Sol. Então o Sol é amarelo.

Deixa Eu Pensar | 10 - A Alquimia Dos Pensamentos

Comments


© 2023 por Deixa Eu Pensar

  • Instagram Deixa Eu Pensar
  • Podcast Deixa Eu Pensar
  • Youtube Deixa Eu Pensar
bottom of page